segunda-feira, 4 de junho de 2012

Borgonha e Montrachet


Em nenhum outro lugar do mundo o conceito de terroar é tão presente como na Bourgogne. Terroir(em francês) vai além da terra ou sítio, tem a ver com solo, localização, insolação, microclima e até gente, assim compreendido o modo do homem se relacionar com a natureza, o jeito endógeno de tratar o vinho, para dentro de si mesmo, sob certa cultura. Terroar é a seleção brasileira campeã do mundo em 1958, que meu pai nos levou a esperar no distante Aeroporto de Congonhas, quando pela primeira vez o Brasil mesclou a técnica de nossos jogadores ao conceito de organização de João Havelange e a liderança de Paulo Machado de Carvalho. Ou seja, terroar é o ...conjunto. 

            Há também razões históricas e geográficas, como a multidivisão de terras pós Revolução Francesa, cada qual tentando extrair o melhor de cada pedaço. A região se estende por 200 kms. Em sentido longitudinal de Chablis ao norte a Beaujolais no sul. Sem bulir com a história e a geografia, o que importa e o coração burgúndio, a chamada Côte D'Or ou Encosta Dourada. Este miolo norte-sul de 50 kms. Com Beaune no centro se divide em duas partes: a Côte de Nuits ao norte, assim chamada em razão do Nuits-St. Georges, terra dos tintos à base de Pinot Noir(Gevrey-Chambertin, Chambolle-Mussigny, Vosne-Romanée), e a Côte de Beaune ao sul, terra dos brancos à base de Chardonnay(Montrachet, Corton, Meursalt). Há tintos ao sul(p.ex. Pommard e Volnay) como também alguns poucos brancos ao norte(p.ex. Marsannay e Vougeot). No conjunto a Encosta Dourada produz mais branco do que tinto, porque a área de Beaune é o dobro de Nuits. 

            Também é complexo o sistema de classificação, a começar pela (1) genérica apellation controlée da Aloxe-Corton ou Puligny-Montrachet. Imaginando um grande compasso cujo círculo se torna cada vez menor, na sequência temosos os (3) premier cru e finalmente(4) os grand cru. O único master sommelier português João Pires, escanção do Dinner de Londres(chefe Heston Blumenthal) utiliza a imagem do zoom da máquina fotográfica: quanto mais fechado o ângulo mais o preço aumenta, além da evidente conclusão que o grande vinhedo(cru) é teoricamente melhor do que o primiero vinhedo(premier), que por sua vez é melhor do que uma AC municipal, por exemplo Morey Saint-Denis. O grande achado na compra de Bourgognes está em encontrar vinhos melhores, por exemplo um Aloxe Corton municipal de excelente proutor(p.ex. Thibault Liger-Belair), importado pela Cellar) a um premier cruque custe o dobre. Até porque não raro alguns grandes, em fama e preço, de repende decepcionam. Recentemente provei um Nuitd St. Georges Clos de La Marechale 2006 Mugnier ler Cru que me pareceu frágil e médio. 

            Dentre os brancos da 'Encosta de Beaune' um rei se sobrepõe aos demais: Montrachet(montanha nua). Nome místico, equivalente a Romanée Conti ou Échezeaux entre os tintos da 'Encosta das Noites'. Combina “solo magro com substrato duro de pedra calcária”(André Domine, Vinhos, p. 197), com face sul e sudeste, na parte inclinada da colina(ver gráfico), recebendo o sol da manhã e, quando há, o calor da tarde, tanta luz que a uva amadurece completamente. Daí a mineralidade ou (no exagero) o toque de pedra dobre limão ou de abacaxi, a que se soma o sabor de fumo, ou melhor, de fumaça, ou ainda melhor, defumado, aquilo que na França costumam chamar pierre à fusil ou pedra de fricção que detona o fusil. 

             Abri o Montrachet do Domaine Baron Chénard 1996 Grand Cru em comemoração ao aniversário de MH. Bons pretextos não faltam para degustar grandes vinhos; não que ela não mereça...A cor ainda estava clara, o que me levou a não ter pressa de colocá-lo em uso. Na boca tinha estrutura, potência e untuosidade, embora em 2012 já apresentasse notas ferrosas desagradáveis, próprias da idade, Meaculpa, eu imprevidente adorador de garrafas...Deu para compreeender que se trata de vinho gordo e especial, embora raros vinhos brancos melhorem após dez anos, ao contrário dos tintos. Por que? A explicação se chama “amargor” que suaviza com a idade. Nos prejudicando a sensação que esperamos do tipo: certa frescura que faltou neste Montrachet. Há 6 anos atrás gastei uma pequena fortuna, apenas para...continuar aprendendo.



Fonte: Diário do Comércio

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