Foto: BLOGGETROTTER
José Peñin, o parker espanhol, tem frase feliz: “ Champagne é
um truque para transformar um vinho impossível em bebível”. Na região fria a
fermentação da uva começava depois da colheita de outono, mas parava no
inverno. O vinho engarrafado voltava a fermentar (e a explodir garrafas) na
primavera. Como a necessidade é a mãe de todas as invenções (Platão) vieram(a)
garrafa grossa(b) rolha gorda(c) a ideia genial do lacre de ferro(d) e por um
fim as soluções químicas que chegaram ao pris de mousse (2ª fermentação) via da
adição do liqueur de tirage, técnica que consiste em congelar o gargalo,
expelir depósitos e adicionar leveduras antes do engarrafamento, ressuscitando
bolhas que comemoram aniversários ou a primeira vitória de meu amigo Lelo na
fórmula-60 em Interlagos.
As
estatísticas não batem mas algo em torno de 320 a 400 milhões de garrafas/ano
em 35 mil hectares ou 15 mil alqueires de vinhedos. Importante o preço médio da
champagne (E$ 12) quando comparado ao cava espanhol (E$ 1,62), nove vezes mais
segundo Peñin. Em resumo: champagne é bebida de riscos; vez por outra a classe B
abre uma quando nasce o filho ou (para não perder a piada) morre a sogra. A
classe B prefere Prosecco, a C os tais fermentados de maça do tipo...macieira.
Curioso
saber que pouco mais de 200 de 20 mil produtores compram e engarrafam o
próprio vinho. 18.800 agricultores (em média 2ha. por produtor) são cada vez
mais disputados pelos 200 manipulants (empresas e cooperativas).
Roederer é um dos maiores autônomos com 60% de vinhedos próprios. Ou seja,
quando compramos Lanson, Piper, Bollinger, Veuve, Pommery, Ruinart, estamos
degustando vinho terceirizado. Na visão pessimista estamos bebendo rótulos; na
otimista provando métodos de mistura(assemblage de uvas e safras). O
ex-presidente da Heublein no Brasil – Rogério Amato – me ensinava que, quando implantou
laboratório de prova na empresa, tinha como meta alcançar padrão imutável, de
modo que o produto(p.ex.o conhaque Dreher) fosse igual hoje e daqui a 10 anos.
Champagne
também é repetição de estilo; o consumidor pretende que a Moët vendida em 2010 tenha
gosto semelhante à 2013(ressalvadas as vintages ou safradas). Daí a importância
do milagre de chai ou chefe de cave ser bem maior lá do que, digamos, em
Bordeaux. Partindo do exemplo de duas de minhas prediletas, Deutz é jovial, tem
manteiga e especial longitude de boca, enquanto Philliponnat tem Pinot Noir e
corpo.
O consumidor que tentar compreendê-las poderá
eleger sua preferida; basta pensar depois do 1º gole. Na semana retrasada em
homenagem ao Desembargador Cesar comparamos Delamotte Blanc des
Blancs(100%chardonnay, daí o nome branca de uvas brancas) e Jacquesson Cuvée nº
732 com 55% de Pinot, nítida a diferença de cor, peso e paladar. Há quem goste
de Krug e outras caríssimas que têm certo traço acre vindo da mistura de lotes
antigos e envelhecimento em carvalho.
Pessoalmente
não sou fã do preço e nem do gosto algo ferroso. Dentre as topos prefiro as de
corpo médio, como Amour de Deutz e Dom Pérignon, a mais vendida do segmento
luxo (3 milhões/ano).
Em maio de
2010 Mary e eu serpenteamos pela D-26 Route du Champagne por 2 horas, subindo e
descendo a ponto de perder a referência. Parece tudo plantado, ou seja, não há
espaço para aumento da produção. O governo francês tem comissão estudando
esticar os limites da região. Deixar como está levará o preço da uva (já
atualmente, em média, o mais caro do mundo) a limites insuportáveis.
Ressalvadas algumas exceções como os cavas Roventós e Non Plus Ultra de
Codorniu, raros nacionais que nem sempre se mantêm no ano seguinte, e bons
Franciacortas, na média a champagne é melhor. Nada disso justifica adotar como
estratégia o segmento dos ricos e famosos. Há mercados inexplorados que-mais ou
menos como aconteceu no Brasil com o Prosecco-podem se acostumar com Fusca sem
jamais provar o gostinho de acelerar um Porsche. E, o que será pior, perder a
mítica de almejar...o tal do Porsche.
Fonte: Diário do Comércio
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