segunda-feira, 5 de março de 2012

PRECONCEITO CONTRA OS BRANCOS


Quando a lua-de-mel servia para alguma coisa, experimentei cerveja fria num bar ao ar livre no centro de Munique. Acreditava que o hábito alemão de não tomar cerveja estupidamente gelada fosse heresia, como se nós brasileiros tivéssemos mais tradição no assunto. Mudei de opinião e gosto. Por isso pergunto: você leitor, no auge do inverno, prefere degustar um branco recém sacado da geladeira ou um tinto perto da lareira? Vice-versa no verão, o que desce melhor? Na praia às 5 da tarde não desce um malbecão.
Como escreveu Luis Ramos Lopes na Revista de Vinhos nº 260 julho/11, disseminou-se o "preconceito de que os conhecedores bebem tintos... começa a gerar-se agora outro ridículo preconceito oposto: o de que os verdadeiros conhecedores bebem brancos". Dialética a explicar: a tese é exagerada, a antítese mais ainda e a síntese deve evoluir. Os brancos estão bem melhores mas não têm a mesma estrutura tânica dos tintos. Acontece que há 20 anos a maioria era apenas bebível, tendia ao amargo (meu pai insistindo com o Porca de Murça), ou pior ao ferroso após dois anos de adega. Hoje não sei, preciso vencer a implicância, dizem que o Porca da Real Cia. Velha (R$ 25) é o 2º ou 3º mais consumido no Brasil depois do Periquita. Pelo preço não deve ser nenhum Corton Carlos Magno.
Tudo para resumir que o gap de qualidade entre brancos e tintos diminuiu bastante. Relembro alguns degustados em 2010, deixando de lado os Pullignys e Charlemagne não por falta de mérito, mas porque já têm seu patamar... e preço! A lista abre com 1º - Chateauneuf-du-Pape Château La Nerthe 2005, que Fabio, Cesar, eu e esposas abrimos no Marius et Janette em Paris, para acompanhar o bar de ligne grillé en croute de sel, tipo de robalo, pescado na linha, grelhado divinamente em crosta de sal. O M&J na Av. Georges V é dos melhores de frutos do mar da cidade-luz. Naquela noite o respeitado gourmet Jacques Chirac ocupava mesa próxima. Conta-se que, na presidência, chegada a hora do almoço sem que a audiência terminasse, Chirac convidava personalidades e lá iam com os batedores às altas cozinhas. Coloco o La Nerthe (Roussane, Grenache Blanc, Clairette e Bourboulenc) entre os maiores do mundo, a Grand Cru o importa em pequenas quantidades, preço caro mas condizente com a qualidade (R$ 190). Sei que Marcio provou o bar de linha meses depois.
Na sequência sem ordem de preferência: 2º - Angelica Zapata Chardonnay Alta 2008 (ou 2007, 2004 etc.), a grande uva branca mundial nas mãos exemplares del maestro Catena bate a maioria dos Borgonhas 1er. Cru, com perfeito equilíbrio entre fruta e madeira e bom custo benefício a R$ 85 na Mistral (a provar também: 3º - o bom Catena simples a R$-53,00); 4º - Rolan Alvarinho Colheita Selecionada 2008 (ou 2009), untuoso, cítrico na fronteira com a laranja e ao mesmo tempo complexo, boa surpresa ao preço de R$-95,00* na Adega Alentejana. Bom também 5º - o Rolan reserva em torno de R$-60,00* (* lembrança tênue; essa loja virtual tem o forte inconveniente de esconder o preço dos vinhos, afugentando o comprador sem tempo); 6º - Pulenta Estate VIII Chardonnay 2008, tomei com especial surpresa porque já conhecia. Mais tarde li comentário que correspondia ao meu pensamento: "esse vinho melhora a cada ano, agora tem mais balanço e peso a partir do 2006" (saite inglês Berry Bros. & Rudd). Exato! A par do preço convidativo de R$-58,00 na Grand Cru.
Por fim 7º - Herdade do Esporão Reserva Private Selection 2008 e 2009, com uvas francesas de Bordeaux (Semillon) e Rhone (Marsanne, Roussane), resulta elegante com toque de fruta picante (tipo abacaxi), ótima acidez e estrutura (R$-120,00 Qualimpor, R$-119,00 Rei do Whisky). Opção mais em conta e recompensadora é o 8º - Esporão Reserva da mesma casa do Alentejo, com uvas portuguesas (Antão Vaz, Arinto e Roupeiro), cristalino e cítrico com sutil carvalho e preço em torno de R$-74,00. Qualquer desses brancos (não gelados demais), apetecem como bons tintos, se não mais, em razão do clima quente, seja agora no verão chuvoso, seja no verdadeiro verão que promete chegar logo mais no outono. O mundo dá voltas, desta vez são os brancos a reclamar contra o preconceito!

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